Um vagão que virou casa
Em Julho de 2001 a arquiteta Karina Pimentel adquiriu um terreno de 11m de frente x 24,50m de profundidade em frente à linha férrea no Bairro Hugo Lange.
Como sempre gostou de trens e achando que ficaria bacana ter um no seu terreno, no dia 10 de Abril de 2002 adquiriu em leilão da R.F.F.S.A. um carro de passageiro metálico (vagão de trem). Dimensão da aquisição: 18,64m de comprimento x 2,75m de largura e pesando aproximadamente 37 toneladas.
Três meses era o prazo para retirada do vagão e ele não poderia ser transportado através dos trilhos que ficam logo à frente do terreno. A única alternativa seria o transporte do vagão pelas ruas de Curitiba, o que foi feito no dia 07 de Julho de 2002.
A logística consistiu em dividir o vagão em dois comboios distintos. O primeiro caminhão transportou os dois rodados de aço carbono originais do vagão, com aproximadamente 3,5 toneladas cada e o segundo caminhão transportou o vagão propriamente dito, assumindo aproximadamente 30t.
O vagão foi suspenso através de macacos mecânicos, sendo a parte da frente acoplada ao caminhão da mesma maneira que receberia uma carreta com o objetivo de liberar plenamente a movimentação do eixo nas manobras e nas curvas. A parte de trás foi igualmente suspensa e abaixo dessa foi inserido um eixo adaptado com pneus.
Antes do transporte propriamente dito, foi estudado o roteiro por onde os comboios passariam. Foram medidos a altura dos fios de tensão elétrica das ruas selecionadas e do viaduto da rua Sete de Setembro.
Ao chegar na esquina das Ruas João David Perneta e Flávio Dallegrave, o peso foi maior do que o piso gramado da esquina pode agüentar, cedendo e quase tombando tanto o vagão quanto o caminhão.
Logo ocorreu o acúmulo de curiosos no local. Eram vizinhos, ciclistas e depois a polícia e até a CBN! Após explicações e declarações no rádio, conseguiu-se aplacar os ânimos de todos os curiosos e interessados.
O conjunto foi estabilizado e houve ainda uma tentativa de entrar com o vagão no terreno, porém a estrutura de 18,64m não conseguiu fazer a curva no pequeno espaço da rua existente. A solução foi deixar provisoriamente o vagão sobre barris e outras estruturas metálicas logo a frente do terreno, e os rodados de aço carbono na calçada frontal.
Duas semanas transcorreram até que fosse desenvolvido um eixo metálico que pudesse suportar o peso do vagão e que girasse mais que 90 graus. O vagão foi estabilizado no lado esquerdo do terreno, no único sentido possível: longitudinal. Os rodados de aço carbono foram colocados abaixo dos dois eixos do vagão, porém no sentido contrário: transversal ao terreno, para possibilitar o deslocamento lateral do conjunto.
Foram construídos dois grandes blocos de concreto para suportar o peso do vagão mais os equipamentos internos. Acima dos blocos foram soldados 4 peças de trilhos metálicos originais que receberiam os rodados.
Os rodados, que estavam no sentido transversal ao terreno deveriam movimentar-se lateralmente até bem próximo dos dois blocos de concreto já perfeitamente curados. Para isso foram colocadas guias metálicas no chão de terra, com devidos suporte de tábuas entre as guias e o chão para que o terreno não cedesse. Através dos dois macacos mecânicos especiais, na lateral esquerda do vagão, os homens empurravam todo o conjunto lentamente.
A etapa seguinte seria elevar o vagão até a altura dos blocos de concreto e depois deslocá-lo para cima destes, depois abaixá-lo exatamente em cima dos trilhos inseridos na parte superior dos blocos de concreto.
No dia 24 de Novembro de 2002 o vagão estava elevado (por meio de macaqueamento) junto aos blocos, sustentado por calços. Com a ajuda dos macacos mecânicos especiais, porém com extrema cautela na dosagem da força, os rodados deslizaram por cima de um tubo até ficarem perfeitamente acima dos blocos.
Utilizando novamente a peça metálica executada para girar o vagão na rua antes de entrar no terreno, os rodados giraram na posição correta e o vagão pôde ser abaixado exatamente em cima dos trilhos.
No dia 10 de Janeiro de 2003 Karina procedeu com a mudança. Ela teve que se desfazer de muitos móveis a fim de que a nova casa de apenas 48m2 a abrigasse, tanto na função casa quanto na função escritório.
A logística toda para transporte e elevação do vagão ficou cara, porém não estão registrados os valores positivos resultantes da repercussão que gerou conseqüências enriquecedoras, ampliando os trabalhos do escritório.
Morar num vagão adaptado fez Karina constatar os aspectos positivos da reciclagem de uma estrutura metálica para moradia e as muitas vantagens, benesses de morar em um espaço próprio, simples e modesto, essencial e atemporal. Sua necessidade de espaço abrigado para morar e trabalhar estava resolvida. Assim como constatada a dinâmica de se viver com o essencial e mínimo. Mas ela constatou também vários problemas higro-térmicos e acústicos. As temperaturas no interior da estrutura aumentam no verão chegando a totalizar números mais altos que os do exterior e no inverno a temperatura cai bruscamente, chegando a medir valores ainda mais baixos que os do exterior. O barulho em dias de chuva é desconfortável devido ao teto cilíndrico e metálico. Algumas limitações estruturais deixam a desejar em relação a certas ações do dia-a-dia que devem envolver conforto, por exemplo: poder deixar janelas abertas durante a chuva ou poder deixar as janelas fechadas enquanto se cozinha, entre outros.
Todas as informações acima foram retirados do artigo “O modo como me apropriei de um espaço: a saga e a experiência de um vagão de trem como moradia”, de autoria de Karina Pimentel, feito durante o período do seu Mestrado na UFRJ, e apresentado na UFRJ/URCA/Praia Vermelha.
O artigo na íntegra conta toda essa experiência de forma muito mais detalhada, com muitas outras informações pertinentes ao tema e com muitas fotos que ilustram a incrível aventura de se comprar um vagão de trem e leva-lo para casa, circulando por Curitiba como se fosse a coisa mais normal do mundo.
E tem até vaga para o carro! rs
ResponderExcluirBelas fotos e com ângulos super bacanas!
Obrigado Simone! A Karina é, além de ousada, muito criativa.
ExcluirMuito bom, aliás o Circulando por Curitiba é nota 10. A foto do cãozinho na escada, show.
ResponderExcluirMuito obrigado Johny! O cachorrinho chama-se Tibério. Ele tem 15,5 anos e anda bem devagarinho. Fica tanto tempo parado que pode até ser confundido com um enfeite. rss
ExcluirCerta ocasião, em uma caminhada, deparei-me com esta casa-vagão (ou vagão-casa??) e fiquei intrigada com o inusitado...
ResponderExcluirAgradeço a postagem!!
Obrigado Irmgard
ExcluirObservo, de longa data - transito por ali de bike, há muitos anos, sempre na companhia da minha cara metade, o vagão-escritório. Não imaginava a proeza de trazê-lo, por vias 'alternativas'. Supus que tinha vindo pela linha férrea ... Ainda não conheço pessoalmente a Karina; só a sua mãe - Vera Maria Scussiato Pimentel, que foi minha colega do Curso de Ciências Sociais, na então Fac. de Filosofia da UFPR. Lembro-me muito bem da sua casa, que visitei numa ocasião, no bairro de Santa Quitéria, que ficava fronteiriça a um campo de futebol, do Vila Inah ... Bons tempos !
ResponderExcluirObrigado pelo relato Wposnik
ExcluirÓtima história. :)
ResponderExcluirTambém acho Jimmy. A coragem e técnica para transportar e acomodar o vagão não é para qualquer pessoa.
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